Instituído pela portaria 467 do Ministério da Saúde, em 20 de março de 2020, o uso de teleconsulta vem sendo uma ferramenta muito útil para restringir a circulação de pessoas, contribuindo para menor exposição ao risco de contágio pela covid-19 e, agora, também pela influenza. Na Anestesiologia, esse recurso pode ser utilizado na consulta pré-anestésica. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia, por meio da Comissão Temporária de Telemedicina e Desafios Covid-19, presidida pelo Dr. Luis Antonio Diego, publicou em agosto de 2020 as recomendações para teleconsulta pré-anestésica[A1] para cirurgias eletivas.
Na avaliação do Dr. Diego, professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e diretor do Departamento de Defesa Profissional da SBA, além deste momento de regras sanitárias que indicam o distanciamento social, esse tipo de recurso beneficia profissionais que não dispõem de infraestrutura para a consulta presencial e aqueles que se movimentam com frequência entre diversos serviços de saúde, sem, contudo, desobrigar o contato presencial antes do procedimento.
Com uma plataforma segura, que não permita o vazamento de dados, e cumprindo os protocolos, a teleconsulta pré-anestésica é muito bem-vinda. Mas em condições normais, sem as restrições da pandemia, o contato presencial ainda é a melhor opção, por permitir o exame clínico físico, avaliação da via aérea, do local da punção e de outras condições do paciente.
“O contato visual, um aperto de mão ou uma simples “mão no ombro” ao final do encontro presencial podem, verdadeiramente, aumentar a confiança entre o paciente e o profissional”, defende Dr. Diego, que concedeu a seguinte entrevista ao Portal SAESP sobre o uso da telemedicina na Anestesiologia.
Portal da SAESP – Diante da necessidade de evitar contatos e a circulação de pessoas para prevenir a covid-19, a telemedicina é uma opção viável na Anestesiologia?
Luis Antonio Diego – Sem dúvida. Na verdade, desde a publicação da portaria do Ministério da Saúde, em março de 2020, o emprego de plataformas para as modalidades de teleorientação, teleinterconsulta e telemonitoramento vem sendo uma realidade. O uso de meios de comunicação remota — como a própria telefonia tradicional por voz e mais recentemente os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram — sempre ocorreu para um contato prévio com os pacientes cirúrgicos. A distinção que agora se estabelece é que esse contato deixa de ser informal para ser um ato médico efetivo, com todas os deveres e direitos existentes. A teleconsulta, formalmente estabelecida, ainda que sem uma regulamentação definitiva do Conselho Federal de Medicina, exige novos protocolos, como a apresentação de um termo de consentimento livre e esclarecido. Hoje temos a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que é muito rigorosa e prevê penalidades severas no caso de vazamento de dados sensíveis, como aqueles que são, inevitavelmente, apresentados na ocasião de consulta pré-anestésica.
PS – Como tem sido a adesão dos anestesiologistas à telemedicina?
LA – Como já mencionei, sempre houve um contato prévio, mas a modalidade remota ainda está muito dependente das instituições. Naquelas em que a consulta pré-anestésica era realizada presencialmente, a substituição foi muito bem recebida. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) fez um convênio com uma das plataformas de telemedicina com maiores requisitos de segurança para que os anestesiologistas que não têm esse apoio institucional possam realizar a consulta pré-anestésica remotamente. É muito importante fazer a diferenciação entre a consulta pré-anestésica, realizada em ambulatório alguns dias antes do procedimento, e a visita pré-anestésica, realizada momentos antes do procedimento e que deve continuar sendo obrigatoriamente presencial.
“A teleconsulta pré-anestésica, conforme estabelecido pela SBA, deve ser restrita a pacientes que não apresentam sintomas nem histórico de doenças crônicas”
PS – Em que casos ela pode ser utilizada?
LA – Deve-se entender que a telemedicina, especialmente na consulta pré-anestésica, possui limitações óbvias. Não há o contato físico e, por conseguinte, é impossível realizar o exame físico. A avaliação da via aérea, do local de punção no caso de um bloqueio do neuroeixo ou periférico e outras condições relevantes não é possível de ser realizada satisfatoriamente. Assim, o que deve ser entendido é que a consulta pré-anestésica não desobriga a visita pré-anestésica, que é o momento no qual o anestesiologista deve complementar a avaliação com o exame físico do paciente e decidir sobre o ato anestésico.
PS – Há casos em que não é aplicável seu uso?
LA – A teleconsulta pré-anestésica, conforme está estabelecido nas recomendações da SBA, deve ser restrita a pacientes que não apresentam sintomas nem histórico de doenças crônicas decompensadas ou graves, ou seja, estejam classificados como ASA 1 e 2. Em caso de dúvida, o médico deve encaminhar o paciente para a consulta presencial.
PS – O que muda na avaliação pré-anestésica por telemedicina em relação à presencial?
LA – A alteração mais importante é que muitos pacientes considerados para cirurgias eletivas têm, agora, a possibilidade de realizar uma consulta formal, ainda que remotamente. A modalidade presencial, realizada no ambulatório, impossibilita que muitos pacientes tenham acesso à consulta, principalmente aqueles que habitam em locais remotos e distantes dos estabelecimentos assistenciais de saúde. É evidente que existem problemas. Nosso país é muito desigual e nem todos os pacientes possuem as condições técnicas para que a teleconsulta seja realizada de forma adequada, como equipamentos e conexão à internet

PS – Quais os benefícios no uso da telemedicina na Anestesiologia?
LA – A telemedicina facilita o contato prévio entre o anestesiologista e o paciente, principalmente por dois motivos: o primeiro pela dificuldade de deslocamento ao estabelecimento assistencial de saúde, seja pelo distanciamento, seja pelo custo financeiro envolvido. O segundo motivo é relativo à facilidade para o próprio anestesiologista que, em muitas regiões, não possui um local físico adequado para o atendimento. A dinâmica do trabalho do anestesista, que se desloca entre vários hospitais e diversas equipes cirúrgicas, dificulta a realização da consulta pré-anestésica presencial e o profissional termina por conhecer o paciente apenas na visita pré-anestésica momentos antes da cirurgia, o que não é o ideal.
PS – Há prejuízos ou riscos envolvidos?
LA – Como já me referi anteriormente, há restrições e as recomendações da SBA devem ser seguidas para se evitar problemas. O importante é que o anestesiologista esteja ciente das obrigações e protocolos, e os respeite rigorosamente para que os riscos de uma avaliação inadequada venham a ser os menores possíveis. Em relação aos prejuízos, entendo que a relação médico-paciente na condição remota não é, de forma alguma, a mesma que na modalidade presencial. O contato presencial permite, sem dúvida, uma comunicação mais efetiva. Sabemos que a comunicação verbal é apenas parte da comunicação em sua totalidade. O contato visual, um aperto de mão ou uma simples “mão no ombro” ao final do encontro presencial podem, verdadeiramente, aumentar a confiança entre o paciente e o profissional, muito embora seja possível e aceitável que o profissional responsável pelo ato anestésico seja diferente daquele que realizou a teleconsulta.
PS – O que é necessário dispor em termos de recursos para fazer a avaliação pré-anestésica a distância?
LA – É muito importante utilizar uma plataforma adequada que não permita o vazamento de dados, principalmente aqueles considerados sensíveis. O anestesiologista deve verificar se a plataforma contém os níveis de segurança estabelecidos pelo Health Insurance Portability and Accountability Act, de 1996, conhecido como HIPAA. Trata-se de uma série de padrões regulatórios que descrevem o uso legal e a divulgação de informações de saúde protegidas. A conformidade com a HIPAA é regulamentada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) e aplicada pelo Escritório de Direitos Civis (OCR) estadunidenses.
Em relação aos requisitos técnicos, o importante é uma boa conexão com a internet e um equipamento adequado, seja um computador, tablet ou celular. Outra condição muito importante, que deve ser garantida, é a privacidade do local em que ambos, paciente e anestesiologista, se encontram. O anestesiologista, observando que o paciente está diante de um celular em um local inadequado, com a presença de outras pessoas ou até mesmo em um ambiente prejudicial à comunicação efetiva, deve solicitar que o paciente postergue a consulta para outra ocasião em que possa estar em melhores condições de comunicação. Por sua vez, o anestesiologista deve estar com uma aparência adequada, tal qual estivesse na consulta presencial.