Presença indispensável em cirurgias de diversas especialidades e em alguns exames, o anestesiologista vem ganhando maior espaço na Odontologia. “A evolução dos tratamentos odontológicos, cada vez mais complexos, está abrindo esse novo campo de atuação”, afirma o anestesiologista Dr. Ivan Vargas, que é mestre e doutorando em Odontologia. Outro fator que favorece essa parceria é a oferta de uma melhor experiência para os pacientes, especialmente para aqueles que têm muito medo, os sindrômicos e as crianças.
A expectativa de sofrimento associada à cadeira do dentista está entre os maiores medos da humanidade, afirma Dr. Ivan. “No inconsciente coletivo, pensamos que quando vamos ao dentista, ele vai fazer um procedimento e vamos sentir dor. Ele não faz isso por maldade. É que a graduação de Odontologia no Brasil segue uma grade que não aborda alternativas para tratar a dor. Então a parceria dessas duas especialidades faz todo sentido”, observa. Não só pela dor. O papel do anestesiologista é, além de anestesiar, monitorar o paciente o tempo todo para identificar eventuais intercorrências e atuar imediatamente para corrigi-las.

Dr. Ivan lembra que, historicamente, os procedimentos odontológicos, de simples restaurações a extrações e tratamento de canal, são realizados no próprio consultório, sob anestesia local — uma técnica do início dos anos 1900 —, aplicada pelo próprio cirurgião dentista. Apenas casos mais específicos, como cirurgias para reconstrução maxilar e da mandíbula por questões estéticas ou por acidente, que são feitas necessariamente por cirurgião bucomaxilofacial em ambiente hospitalar, contam com um anestesiologista.
Nos últimos 10 anos, a atuação conjunta do cirurgião-dentista com o anestesiologista vem se intensificando e começa a ser demandada pelos pacientes, que se beneficiam de maior segurança, graças a estratégias anestésicas e de controle de dor, como sedação e anestesia geral. “Para os anestesiologistas, essa tendência representa um nicho de mercado. Para os cirurgiões-dentistas, ter um paciente calmo e sem dor permite maior foco na técnica. Para o paciente, especialmente os que têm medo, é o céu”, afirma Dr. Ivan.
Hoje, de acordo com o tipo de procedimento e com o perfil do paciente, o atendimento odontológico assistido por um anestesiologista pode ser realizado no próprio consultório do dentista em salas que atendam às exigências da RDC 50, da Anvisa, que determina as alternativas anestésicas para cada ambiente cirúrgico.

De acordo com a RDC 50, num consultório convencional, pode ser utilizada a anestesia local pelo cirurgião-dentista, que está autorizado pelo Conselho Federal de Odontologia a utilizar também o óxido nitroso, que tem ação analgésica. Qualquer outra técnica a partir daí requer um anestesiologista e salas especiais. Para acrescentar a sedação, há a exigência de contar com uma sala do tipo 2. Já a combinação da anestesia geral com a local precisa contar com a estrutura de sala do tipo 3 ou hospital-dia. Casos especiais podem ser realizados em hospitais completos, que contam com estrutura para atender complicações.
Mesmo em casos mais simples, se o paciente tem fobia de dentista, o acompanhamento pelo anestesiologista também é recomendado. “A expectativa de sofrimento pode causar um aumento da pressão arterial e um aumento da frequência cardíaca, colocando o paciente em risco e piorando a experiência”, diz Dr. Ivan, lembrando que pacientes odontológicos costumam ser tratados sem avaliação cardiológica e sem monitorização, o que pode ser um risco.
Anestesiologia particularizada e desafios
Assim como em outras especialidades, é necessário definir a técnica certa para cada paciente. “É preciso particularizar”, destaca Dr. Ivan. Ele observa que estratégias analgésicas e de controle de dor são atos médicos e cabem exclusivamente aos anestesiologistas. Eles são habilitados para fazer não só a anestesia, mas também para monitorar o paciente durante o procedimento, garantindo seu conforto e sua segurança. Cuidam ainda do controle da dor após encerrado o tratamento.
Segundo Dr. Ivan, a Anestesiologia em Odontologia tem algumas particularidades. Enquanto outras cirurgias em outras especialidades são feitas com o paciente totalmente sedado, na Odontologia, em geral, é preciso regular a intensidade da sedação com diferentes táticas de medicamentos e diferentes doses para que o paciente mantenha os reflexos. “O dentista precisa que o paciente mantenha a boca aberta, e ele precisa ter os reflexos para tossir, por exemplo, porque o acúmulo de líquido pode asfixiar. Por isso, a monitorização da via aérea pelo anestesiologista é muito importante, traz segurança”, observa.
Se for necessária uma sedação mais profunda, em crianças e pacientes sindrômicos, por exemplo, a recomendação é realizar o procedimento em ambiente hospitalar onde há a infraestrutura adequada para monitorar e atuar em casos de hipóxia.
A atuação conjunta com um anestesiologista também é benéfica para pacientes pouco cooperativos, como pessoas sindrômicas. Sedadas e monitoradas em ambiente hospitalar ou em salas que atendem aos requisitos da Anvisa, eles podem ter um tratamento mais tranquilo, com melhores resultados, já que a única preocupação do cirurgião-dentista é o procedimento técnico.
No caso de crianças, em que o medo também pode ser um fator complicador, o tratamento em ambiente hospitalar com sedação e monitoramento faz toda a diferença. Quando a criança é pouco cooperativa, precisa ser contida com a ajuda da mãe, uma situação traumática para a criança, estressante para a mãe e extenuante para o dentista. “O atendimento em ambiente hospitalar com sedação é o ideal, e a Odontopediatria está atenta para isso”, diz Dr. Ivan.
Um dos desafios a vencer é a limitação de acesso, já que contar com a presença de um anestesiologista no tratamento odontológico costuma ser um serviço particular, pago pelo paciente. Convênios odontológicos não cobrem procedimentos médicos, e a anestesiologia é um procedimento médico. Convênios médicos em geral também não cobrem — como exceção, pacientes fóbicos podem conseguir autorização da operadora, como já ocorre para a realização de exames, como ressonância magnética, que não precisam necessariamente de sedação, mas é indicada para alguns pacientes, visando à sua segurança e ao seu conforto.